segunda-feira, 26 de julho de 2010

Te amo.

somebody tell me what she said.



É. Naquele instante ele pareceu ter esquecido o significado daquelas palavras. Todos os gritos e sussuros que ela proferia pareciam vazios de significado. Te amo. Essas palavras inistiam em ecoar pelo cômodo apertado, teimavam em fazer daquele instante de suplício uma espécie de vazio sentimental. Te amo. Ela não era mesmo muito atenciosa às regras. Tampouco poderia sê-lo, a situação não permitia. Aqueles eram os únicos sons que lhe era possível emitir. E, ainda que expressivamente agoniados, aqueles gritos, para ele, permaneciam indecifráveis. Te amo. De fato, a voz daquela garota não era mais capaz de conceder pista alguma sobre o misterioso singificado daquela sentença, uma sentença bradada entre urros, com o ardor e o peso de uma sentença de morte. E se a boca já lhe era um enigma indesvendável, ele partira então para entender o corpo daquela moça. A forma com a qual ele se contorcia parecia reiterar a força daquela frase misteriosa. A sua pele suada e tensionada pela dinâmica do momento pareciam também gritar: Te amo. O corpo, então, pareceu igualmente indecifrável. Figurava apenas como reflexo daquela incessante declaração. Naquele momento ele foi tomado por uma estranha vontade de integrar-se ao ardor daquela oração. Ele quis, dessa forma, pertencer, estar mais que junto, estar dentro. Imaginou que talvez ali, do lado de dentro, aquelas palavras, se viradas do avesso, poderiam fazer mais sentido. Mas o avesso do contraditório pareceu tão contrário a tudo que é lógico quanto antes. Te amo. Nem por dentro, nem por fora. Nada figurava como possível sentido que preenchesse aquela expressão. Examinou então a força com que ela repuxava-lhe a pele e torcia os lençóis. Fez uma verdadeira assepsia no desenho que agora faziam naquele lugar, como se algo ali construísse uma espécie de simbolismo que traduzisse ou sugerisse o que aquela moça alterada queria dizer. Te amo. Não, ele não entendeu, deduziu então que talvez essa não fosse o tipo de coisa claramente inteligível. Olhou nos daquela senhora e ali descobriu a pista que tanto procurava. Mas ainda assim esse significado pareceu-lhe um tanto nebuloso. Mas sentiu-se constrangido, coagido, impulsionado a responder. E no ímpeto de responder, quis repetir. Foi o que fez. Repetiu. Te amo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Poesia positiva

A caneta na mão não é assim tão útil.


Se o verso em si já não é naturalista,


Resta-nos a letra imperfeita da rima fútil.


O poema é mesmo utilitarista.





Se o verso é frio, empacotado, real


E a rima é seca, imprópria e exaustiva,


A poesia só pode parecer desleal


E arte do poeta, demasiado improdutiva





E se o poeta é escultor do poema preciso,


Seu trabalho só pode ser mesmo exibicionista.


Se todo poeta é um tanto Narciso,


A estrofe fica assim mesmo: fetichista.





A métrica deve ser, portanto, um ponto certo.


O verso é heroico, mas a forma é cansativa


Porque, de toda ideia, a letra sai de perto


E a poesia fica assim um tanto abusiva





E se o homem conquista o relativo


Seduzido pela melodia idealista


Sua arte faz-se então impertativo


Sente-se um joguete. ritmista.





E se cansa-se do esforço de ser orgânico,


Definha, então, numa missão abortiva


Entrega sua alma ao mundo mecânico


E faz poesia assim: retrospectiva





O poeta não quer mesmo ser simpático


Nem mesmo quer verso puro ou perfeição contemplativa.


Mas o verso teima em ser, por si, enfático


E todo esforço sucumbe em poesia positiva





quinta-feira, 24 de junho de 2010

Nenhum João é poeta.

Outrora.

O compasso dos ponteiros não existe.
Inventa e esconde. Esquece a hora
E nos tics do caminho do tempo, iniste
Em se fazer de mil minutos depois de agora
E se uma volta já nao basta, persiste
Muitos de nós hão de ir sem demora
E o ponteiro cansado desiste...
Pausa. Estamos do lado de fora
O tempo guarda em si um quê de triste
Mas a tristeza há de ir, de nós, embora.
Então o tempo zumbi resiste
Somos loucos girando sem hora
Somos os sons do relógio que ouviste
A curva que engana por hora
A anacronia do tempo em riste
Seduzidos por teus segundos, senhora
Porque cada instante é um chiste
E já não somos o que fomos outrora.

sábado, 12 de junho de 2010

O amor e o chic.

Eu não sou a pessoa mais apropriada para falar de amor ou dia dos namorados. Contudo, talvez o tema valha uma reflexão. O amor é aquele tipo de assunto sobre o qual há muito que se dizer. Ao mesmo tempo, sempre que se tenta falar dele, parecem faltar as palavras. Também não é novidade alguma que o amor é um sentir-fazer altamente contraditório. Na verdade, a lógica e a coerência do amor se apresentam como intangíveis à nossa razão. Talvez por isso esse texto careça de sentido, fique como um tiro no escuro, talvez nada fale sobre o muito que há que se dizer. Talvez também não haja a menor graça em fazer uma assepsia no amor, afinal, o amor não é um cadáver, um corpo frio e inerte. O amor é vivo, dinâmico e sagaz, parece fugir sempre que se tenta explicá-lo. O que é o ser do amor? Talvez o amor nem mesmo tenha um ser, pode ser apenas um sonho, uma ilusão forçosa, uma necessidade que nós mesmos criamos e dela passamos a depender. Mas o amor pode ser também um ente quase transcedente, que domina, escraviza, mas também enobrece, enaltece, rejuvenesce, enlouquece, estremece. O amor parece, mesmo que não pareça em si amor, o amor aparece. Então por que falar de algo que ou se inventa ou é tão latente que grita aos olhos e torce os sentidos? Talvez sobre o amor não se deva, de fato, falar. Talvez o amor não seja para ser escrito em prosa, pode ser que ele se delicie apenas com as curvas meticulosas de um poema. Talvez o amor não seja para os parágrafos e a frieza de um texto justificado. Talvez o amor goste mesmo de rimas melosas, sentimentalescas, de bilhetes coloridos, de cartões em formas de coração, de depoimentos no orkut, de mensagens pessoais em messenger, de ligações para ouvir a voz.
É por isso que talvez, quando perguntado sobre o amor, alguém diga que é chic - prefiro escrever chic a chique - demais para amar. Porque o amor é mesmo assim um tanto quanto brega. O amor se presta a apelidos melosos, a falas como as que são dirigidas a crianças e cachorros. O amor gosta de se espalhar nas várias expressões das vidas dos amantes. O amor é intruso, penetra. O amor não é convidado, chega assim sem avisa, nem marcar hora, nem telefonar antes, pegando seu anfitrião desprevinido. Quão deselegante é o amor.
É possível que os muitos chics não amem, porque é típico do amor fazer romântico um prato ou um programa qualquer. O amor gosta de se manifestar a esmo. Ele não escolhe entre palácios e favelas, entre foie gras e buchada, entre ações ou salários mínimos. O amor é assim mesmo muito dado, presta-se a qualquer lugar ou ocasião. Hão de dizer que amor é daquele tipo que se mistura, fácil demais.
O amor é desajeitado, impreciso, incoerente. O amor é gramaticalmente complexo. Ele facilita derivações impróprias, confunde os pronomes de tratamento, troca os adjetivos, abusa dos advérbios e despreza quaisquer regras de colocação pronominal. O amor decorre sempre em fuga total ou parcial do tema sempre sob a justifica de ser e estar em tudo. O amor não segue roteiros, muito menos se preocupa com coerência ou coesão. O amor sempre parece irritantemente não saber escrever a própria história. Não há de ser chic alguém tão prolixo, desajeitado e incapaz de controlar suas próprias ideias.
O amor também se presta a espalhafatosas gargalhadas, a ligações na madrugada, a ter na carteira fotos da namorada e para elas ficar olhando incessantemente. O amor também é hiperbólico, descontrolado, adora superlativos e exageros que ultrapassam a simples ênfase ou expressividade. O amor não é dos chics, não é comedido.
Mas pensando bem, talvez chic mesmo seja quem ame. Quem sabe ser chic não seja mesmo aproveitar a vida sem regras, métodos engessados, formalidades excessivas. Talvez chic mesmo seja gritar quando o sentimento vai à garganta e o coração parece explodir. Pode ser que chic mesmo seja quem se arrepie ao ver a pessoa amada, que fique com as bochechas vermelhas, a pele quente e a mente a fantasiar. É possível que ser chic esteja em saber compreender a singeleza de dividir o resto de refrigerante na lata. Chic pode ser ser criativo o suficiente pra inventar apelidos esdrúxulos e ousado o suficiente pra atribuir diminutivos a quase tudo, mesmo quando impróprios. É capaz de o chic estar mesmo em saber ser feliz sem muita complicação, em deixa fluir, rolar em relaxar e aproveitar sempre com respeito e boa vontade para compreender e acolher o outro em suas imperfeições e, assim, construir algo positivo.
Na verdade, amor e "ser chic" são duas coisas sobre as quais não sei falar. Acho melhor que você desconsidere mesmo tudo isso, feche essa janela e vá viver.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

João, Eu e o Marciano.

Gostaria de pedir desculpas pelo longo tempo que passei sem postar =)





Certo dia me contaram a história de um tal marciano. Um cara meio esquisitão, alguns diziam. A verdade é que Márcio, o marciano, era mais um "João-aí", inusitado e excepcional em sua tão comum simplicidade. Quase um refém de sua apatia e normalidade. Márcio era normal, disso tinha, em si, muita convicção. Márcio era normal. Márcio era normal em Marte. Em Marte, assim como Márcio, todos eram marcianos. Mas um dia Márcio decidiu entrar em sua espaçoanave e descobrir o mundo além dos Martes e tudo aquilo que, na imensidão do universo, não era marciano. Márcio pousou sua nave em planeta qualquer, em um mundo-aí que se queria fazer conhecer.
Ao aterrissar, teve muita certeza de estar em mundo realmente diferente. Ali tudo que era seu parecia estranho, diferente. Suas antenas sempre tão seguras e bem direcionas agora giravam desnorteadas. Sua pele verde era ali tão inusitada, que era como se o Sol, aquele mesmo Sol de Marte, ali conspirasse silenciosamente com toda a natureza para imputar-lhe uma estranheza, que gritava aos olhos de todos os seres nativos, o verde de sua pele estigmatizava o marciano, como se traduzissem toda a essência de seu ser. Pensou que ali só poderia o verde ser uma cor abominável, porque não via motivos para a desconfiança e o julgamentos que sobre ele repousavam.
Os olhos grandes, negros e fusiformes do marciano, sempre tão fitados e unívocos, ali pareciam perdidos, desolados, com uma ânsia incontrolável de conhecer tudo, transparecendo, ao mesmo tempo, toda a angústia que revelava aquela incomum estranheza, por mais incongruente que pareça.
Tampouco o corpo baixo e rechonchudo daquele ser parecia aceitável naquele planeta. Ali havia muitos rostos e corpos estampados em cartazes e anúncios, espalhados pelas ruas avenidas, praças, travessas e em toda mídia que o enebriava. Contudo, nenhum deles se parecia com Márcio.
Caminhando mais um pouco, pôde perceber quão curioso era aquele povo e, por mais que se esforçasse, sua tão condicionada e sistemática mente marciana não conseguia compreender. Todavia, o estranhamento já se tornava maior que a exictação.
Então, Márcio correu. Correu sem rumo, sem destino. Correu porque queria encontrar naquele momento uma resposta. Correu porque a lentidão do caminhar era demasiado angustiante e a morosidade de seus passos revelavo-o ainda mais estranho, revelava um mundo que não só o era estranho, mas o tinha como estranho. Era isto: despertencimento. Márcio correu porque queria pertencer, não sabia a que, é verdade, mas queria. Queria participar. Queria, em seu mais ínfimo sentido, ser parte. Integrar-se a o que quer que seja e assim acalmar seu coração, ter de volta a sensação e a comodidade de ser normal que aquele mundo o tirara.
Correu afoitamente. Cansou. Caiu exausto sobre um gramado - verde como sua pele. Pensou que ali havia encontrado algo que se assemelhasse a ele. Ficou ali por um bom tempo. Quando se deu conta, percebeu que o mundo a sua volta mudara e que aquele gramado que o cercava, não mais era verde. O passar do tempo e das estações, que Márcio desconhecia, havia transformado aquele gramado tão verde em um conjunto de folhas secas - pardas -, como se até mesmo a natureza daquele lugar se empenhasse em torná-lo um ser-de-fora.
Viu, ao seu lado, cair um corpo. Custar-lhe-ia esforço demasiado observar se a vida ainda pulsava naquele organismo que, displicentemente, drebuçara-se sobre aquele gramado. Mas enfim ouviu um choro e sentiu tocar em sua escamosa pele marciana um gota de uma espécie de água salgada. Não podia ser chuva. A chuva não costuma ser salgada - disso Márcio, o marciano, já sabia. Depois de um tempo descobriu tratar-se de lágrimas.
Não quis mais mover-se, apenas dialogou com aquele ser-ali deitado na grama. Discutiram sobre o mundo, seu estranhamento e seu despertencimento. Ela falou-lhe que, naquele planeta, nada havia de parecido com ela. Seus olhos, seu corpo, seu rosto e sua cor não encontravam na natureza coisa alguma a que fossem idênticos. Sentia como se não possuísse identidade. Nem mesmo a grama daquele lugar parecia receber-lhe como igual, como se aquele gramado fizesse questão de manter um fosso entre os seres e, pior ainda, empenhasse todo a sua existência em fazer dela um ser-de-fora.
Imaginou que, como ele, ela devia ser também uma marciana perdida naquele mundo estranho.
Criou coragem, saiu de sua posição inerte e o marciano decidiu enfim encarar o rosto de Ana Márcia - sim, esse era seu nome. Ana Márcia, como o perdão do trocadilho dos nomes, era com certeza marciana, pensava Márcio. Essa covicção de aceitação evidente impulsionou ainda mais o marciano a encará-la e, enfim, vê-la.
Que decepção! Ana Márcia não era marciana. Havia nascido ali naquele planeta mesmo. Entretanto, seus olhos, seu corpo, sua cor e toda a sua aparência de fato não se assemelhavam a nada que aquele mundo estampava em seus muitos cartazes e propagandas. Passado o momento de excitação, o marciano compreendeu que já sabia tudo de mais importante sobre Ana Márcia. Descobriu nela sua identidade justamente por com ela não identificar-se e por, juntos, não se identificarem com nada. Perceberam que os dois poderiam pertencer, ao mesmo, tempo a seu despertencimento.
Então Márcio, o marciano, e Ana Márcia continuaram deitados sobre a grama, olhando o céu estrelado que sobre eles brilhava. Já não mais importava se estavam em Marte, em Vênus, na Terra ou em qualquer lugar que fosse. Por um momento sentiram que o nada que neles mesmos imperava exatamente o tudo que os circundava. Sob o céu estrelado eles finalmente pertenceram... Um ao outro? Não importa...
Não importa porque essa é uma história estranha sobre seres estranhos. Alienígenas a tudo aquilo que alcança nossa mente tola e polarizada entre razão e emoção. Uma história que só eles entendem. Nós apenas estranhamos. Somos apenas estranhos.





domingo, 28 de fevereiro de 2010

João e Eu, palavras ao vento.

Quando era criança, João tinha a estranha mania de falar em frente ao ventilador. Não era incomum encontrar meu eu infantil de cara com esse aparelho pronunciando as mais diversas palavras e, para fazê-lo, experimentando as mais diversas vozes.


Naquela época, eu achava que o ventilador provocava algum efeito sonoro ligeiramente cômico sobre o som que ia de encontro a ele. Ainda que hoje eu não perceba tal efeito, é importante relembrar como nossos eus infantis podem sempre nos ensinar algo. Falar para o ventilador pode ser um prática cuirosamente libertadora, que poderia facilmente ser incorporada à bateria de dinâmicas de algum desses grupos de ajuda - a não ser pelo perigo de ressecamento nas mucosas nasais.


Indo mais longe, poderia dizer que, na verdade, engana-se quem acredita que o ventilador foi feito para refrescar-nos nos momentos de calor; ou, no mínimo, quem batizou esse aparelho aqui em nossa terra tupiniquim já percebera sua capacidade terapêutica. Ele poderia chamar-se "ventilante", "faz vento", "move o ar" e "circulador de ar" (que já é usado em proporções menores, ainda que digam que há uma diferença, a qual, sinceramente, desconheço). O fato é que ele chama-se ventilador. VENTILA-DOR. Essa separação silábica curiosa nos faz entender o porquê da capacidade libertadora desse eletrodoméstico. Falar para o ventilador é, literalmente, jogar palavras ao vento. Mas aqui essa expressão não adquire a conotação depreciativa que lhe é recorrente na fala popular, em poesias e canções. Jogar palavras ao ventilador pode ser uma forma de livrar-se de certas mazelas, de lançar ao vento aquilo que desagrada. O ventilador com sua ágil hélice pode trucidar frases que profrerimos, que nos saem como tempestades, e transformar-lhes em uma suave brisa, ou pelo menos em um pequeno vento refrescante.


Se estivermos sós, o ventilador pode personficar alguém a quem se queira dizer algo, ou, em um momento de estresse, pode ser um ouvinte para palavras demasiado cruéis, as quais ninguém deveria ouvir, uma vez que a palavra dita é como a pedra atirada e a oportunidade perdida, nunca volta. Então, podemos lançar jeitosamente algumas de nossas dores para que sejam ventiladas, mas não machuquem a niguém, percam-se na fúria da hélice e dissipem-se no ar.


Não pense também que o ventilador é um ouvinte apenas de frases ruins, você pode ainda dizer-lhe algo de bom. mas, sinceramente, ele não poderá corresponder a afeição das suas palavras, uma vez que seu comportamento é mecânico e demasiado constante. Se tiver algo de bom para falar para alguém, fale!


Enfim, se precisar xingar, falar mal, esbravejar, por exemplo, utilize o ventilador. Ventile suas dores para serem trucidadas e dissipadas pelo ar. Desabafar faz bem.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

João e Eu, caça e caçador.

"Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito à força, numa procura".
Esses são versos de uma composição de Sérgio Magrão e Luís Carlos Sá, imortalizada na voz de Milton Nascimento, chamada Caçador de mim. Um grande amigo meu pediu-me que escrevesse um texto sobre as mudanças, tranformações e novidades do momento pelo qual estamos passando, a ansiedade antes das primeiras aulas na universidade. Confesso que é um pouco complicado falar sobre algo tão confuso e inexato. mas essa canção traz um pouco desse sentimento. Ainda que naõ fale de euforia e de ansiedade literalmente, essa canção possui, em seu verso mais conhecido, uma definição que serve para todos os momentos da vida, especialmente para aqueles de transição como este que estamos vivendo: "Eu, caçador de mim".
Quando se faz presente o silêncio - no intervalo de todas as comemorações, das festividades, da alegria de ver seu nome estampado em mural de estrelas - é que se percebe que tudo está mudando. O silêncio é mágico e extremamente questionador. Ele sussurra em nossos ouvidos todas as nossas dúvidas, medos e anseios. Quando a frieza do silêncio quebra o calor da euforia percebemos o quão errantes ainda somos. Damo-nos conta de que tantas vidas que sempre caminharam juntas, ainda que sempre mostrando suas individualidades, tomam agora caminhos diferentes, sem ter necessariamente certeza desses caminhos. Nossas vidas não podem ignorar o fato de serem basicamente caminhada e, dessa forma, passam sem que muitas vezes nos demos conta de quanto estão mudando.
Aí 'a ficha cai'. Nós mudamos, crescemos, vivemos, passamos, 'matriculamos', mas ainda não começamos. Paramos. Esperamos. Percebemos como é inquietante aguardar por algo tão novo e diferente. Nossos espíritos juvenis retorcem-se em uma incômada angústia pelo conhecer. Queremos conhecer, mas queremos conhecer mais que as leis da natureza, queremos saber mais do que "por que o céu é azul" ou "por que as coisas sempre caem". Queremos nos conhecer, queremos conhecer o outro, queremos conhecer o mundo. Na nossa frenética busca por conhecer por saber como é e como vai ser, acabamos muitas vezes dominados pela nossa euforia. Nossa euforia é nossa alforria. Na nossa caçada, esse é o momento em que nós, caçadores de nós mesmos, caçamos de uma forma diferente. Trocamos as armas. Nosso frenesi se torna nossa espingarda e com ele tentamos alvejar o mundo e nós mesmos. Mas não miramos em nada. Disparamos para todos os lados tentando avidamente acertar. Acertar ao alvo e acertar na vida. Perdidos em uma nova mata, nós deliramos, somos caçadores inexperientes confusos entre os muitos ruídos que a mata possui, qualquer farfalhar é provocativo aos nossos sentidos. Somos jogadores amadores; esperamos que rolem os dados. Que rolem os dados! E quando eles rolam, rola o quê? Os pais dizem 'cuidado, lá rola de tudo!', os amigos dizem que rola diversão e outros dizem que rolam oportunidades. Mas na ópera desconhecida dessa nova mata, em que não sabemos quem é presa ou predador, somos apenas caçadores que, no fundo, só esperam que não rolem suas cabeças.
Afinal, quem nunca sonhou em ser rei? Então, nós caçadores também sonhamos. Ah, nós "planejamos", criamos as mais ousadas e pretensiosas estratégias para a caça e, no fundo, acreditamos que tudo será como planejado, ainda que saibamos que muitas vezes já planejamos, conjecturamos, profetizamos e vimos tudo mudar, porque uma caça é também terreno do acaso, da incerteza. Mesmo assim, nós continuamos sonhando em ser reis, os nossos sonhos são habitados pela glória da majestade e pelo reconhecimento de uma grande caçada.
Nós agora caçamos em terreno desconhecido, ainda que sejamos a mesma velha caça e o mesmo velho caçador, reinventamo-nos em um campo novo. Buscamos novas estratégias, mas também buscamos novos amores. Quem caça o faz por paixão ou desilusão, ainda que haja certos momentos em que ocorra uma estranha sinonímia entre esses senitmentos. Assim, há um quê passional em toda caçada e todo caçador deseja ser amante. Buscamos novos amores e paixões que desenrolam-se torridamente entre os mistérios da nossa caçada e, nesse momento, ja não mais nos importamos se somos caça ou caçador. Aí passamos a querer desarmar toda a nossa estratégia, ou não, talvez apenas queiramos continuar caçando e , ao mesmo tempo, emocionando. Queremos viver o suspense, a ansiedade e todas as mudanças da vida de caçador; e por mais que digamos que queremos nos entender, não nos esforçamos para ser caças fáceis para nós mesmos, queremos guardar noss mistério e com ele toda a ansiedade, as mudanças, as novidades e o inesperado de uma boa caçada.
"Longe se vai
Sonhando demais
Mas aonde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim."

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Postando mais uma vez aqui!! Bom, essa postagem é um pouco diferente das anteriores, estou abrindo espaço para publicar uma crônica que "Eu escreveu". Essa crônica é narrada por João, mas um outro João (que loucura!). O João que está agora em questão já passou dos 30, tinha um emprego e uma vida monótona e uma visão conservadora. Se gostarem, comentem. =)




O DIA DA ORGIA




Há um certo tempo eu dizia: 'se um dia me chamarem pra orgia, olha só que maravilha, um convite pra recusar!'. Nunca achei que fosse certo, direito ou natural. Sempre achei que tudo nessa vida, incluindo sexo, amor, diversão não devia ser transformado em algo assim... tão banal. De fato, para mim as pessoas que - como se dizia antigamente - se davam ao desfrute só podiam não ser normais; fracas, talvez, por sucumbirem assim aos desejos carnais, em detrimento de toda moral ou pudor. Moral e pudor eram coisas que eu certamente valorizava. Para mim, as coisas no universo tinham uma ordem, sabe? Deveriam permancer estaticamente dentro dos padrões, qualquer forma de subversão, contravenção ou intervenção desordeira era desregular a perfeição da normalidade. Normal e perfeito, para mim, eram sinônimos.
Enfim, um dia me chamaram pra orgia. Não importa como nem onde. O importante é o convite e os efeitos do mesmo. Também não interessa o porquê de eu ter aceito o convite. O fato é que aceitei. Surpreendi-me em um local no qual eu jamais imaginaria que pudessem acontecer tais coisas. Nunca imaginei que ali fosse possível quebrar toda forma de paradigma que eu tinha até então.
Ao adentrar no local da orgia, meu zelo pelo pudor me impunha um certo constrangimento e um desconforto sistêmico. Meu interior parecia revolver-se em relutância a aceitar aquela ideia. Assim dei os primeiros passos cabisbaixo. Meu tímido, porém curioso, olhar voltava-se para o chão e foi de lá que comecei a desvendar toda a magia daqueles acontecimentos. No chão era possivel ver muitas sombras. Uma, duas, três, muitas! Muitas sombras de diferentes formas que moviam-se rapidamente em movimentos que aludiam vagamente a certas coisas que ja conhecia. Essas sombras passavam então a misturar-se, confundir-se. Vi muitas sombras contorcerem-se e sobreporem-se. Cada sombra parecia ali tomar um quê de liberdade. Libertavam-se para assumir suas vontades e confundiam-se em seus desejos. As sombras apoderavam-se de muitas outras que lá havia. Móveis e paredes misturaram-se às sombras que já dançavam, uma dança frenética, ritmada, cadenciada. As sombras eram inquietas.
Não sei ao certo quanto tempo passei ali observando aquelas sombras de mãos ávidas e atrevidas. Contudo, só despertei da absorção de meus pensamentos quando vi uma gota de mue suor escorrer pelo meu tenso corpo e manchar as sombras que bailavam ali no chão. Minha configuração também foi mudando, aos poucos me vi despido, não só das roupas com aque ali chegara, mas também de toda forma de pudor.
Logo eu também me tornara mais uma daquelas sombras. Das sombras também saiu um eu diferente, mais solto, desinibido, poderia dizer até mesmo um eu mais atrevido. O chão agora era testemunha, marca, do que o meu eu sombra estava fazendo, da libertação da dimensão estática do mundo e da abertura à complexa noção da dinâmica. As sombras me fizeram perceber que o mundo é dinâmico. A luz dos cômodos misturada à luz do Sol criava uma oscilação constante que conduzia as sombras a uma eterna e contínua mudança de posição, embora seja bem verdade que elas mesmas, ainda que dançassem na escuridão, já o fariam.
O importante é que a orgia daquele dia não foi uma orgia de corpos desnudos. A verdadeira orgia aconteceu na minha mente. Pude permitir que cada ideia presente em meus pensamentos se libertasse. As ideias não mais estavam presas a noções tacanhas de um dogmatismo infundado. Essa orgia intelectual fez com que minha mente deixasse de ser tão metódica. Permitiu-se que minhas ideias se aproveitassem umas das outras, abusassem-se despudoradamente, podendo desvencilhar-se quando quisessem, mas o todo que elas criavam ao misturar-se e interagir é que fazia daquela orgia uma ciração. Pude aprender a libertar minha mente dos cadeados dos "preceitos imutáveis" e fazer de todo dia, em minha mente, um dia de orgia.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

João e Eu - Um dia de mal do século.


Esticando o pescoço para além da visão panorâmica da tela do computador, pode-se ver uma brecha que sinaliza para um dia ensolarado. O calor que teima em se fazer perceber na agonia corpórea, nas gotas de suor que sorrateiramente escorrem pelo rosto e na incômoda oleosidade que se acumula sobre o nariz, também contribui para que se tenha certeza de que nesse momento há muitas pessoas na praia, aproveitando um daqueles dias de veraneio. Possivelmente elas estão sorvendo a bebida de sua preferência, trajando roupas coloridas, óculos escuros - os desta estação ou da passada - e podem até mesmo estar se divertindo ao som de samba, pagode, forró ou rebolation tion.

Dias como esse (exceto pela dose significativa de álcool) não se parecem em nada com aqueles em que imagino os poetas malditos escrevendo visceralmente sobre suas angústias em poemas agonizantes. Mas afinal, quem nunca teve "um dia de mal do século"?

Não é o caso. Nem eu, nem João - nem qualquer outra personalidade múltipla de que tenha notícia - estamos vivendo um desses dias de mal do século. Mas é curioso relembrar como há dias em que tudo parece despedaçado, desfolhado, insípido. Dias em que toda felicidade é vazia e tudo incomoda. Há quem diga que mal do século tem cara de envelhecimento mal resolvido. Em outras palavras, há dias em que somos tomados por uma desilusão inexplicável.

Às vezes penso que os dias assim, de mal do século, servem para que possamos reencontrar a graça e o gosto pela vida, para que revivamos o sabor de gostar de viver. Os nossos dias byronianos são apenas parte da senoide de nossas vidas, porque, afinal de contas, não somos lineares. Nossa complexidade nos impede de uma felicidade plena enterna nesse plano. Mas, de certa forma, momentos de mal de século também são para serem vividos e aproveitados. Aproveitamos para ver o outro lado da moeda, o lado B do disco, experimentar a vida sem a euforia e a empolgaçao de uma criança que vê um bolo de chocolate. Dessa forma, um dia, uma semana, um mês ou um certo tempo depois, poderemos voltar a ser a criança e a vida, o bolo de chocolate.

Só não podemos nos deixar levar por um fatalismo lírico que nos paralize, uma vez que isso nos levaria a uma incompletude ainda maior. Devemos viver todas as possibilidades, experimentar nossas proprias emoções, mas não ser refém das mesmas. Falando assim, parece que viver é complicado. De fato é. Talvez por isso muitos poetas geniais tenham invocado a morte em seus poemas. Contudo, a graça da vida é vivê-la. Portanto, viva a vida. Um viva à vida. Tenha você quantos "eus" tiver....

sábado, 20 de fevereiro de 2010

João e Eu - réus primários

Vamos fazer D(d)ireito?

João e Eu estamos vivendo férias estranhas- leitor desavisado, nao se assuste com essa exteriorização de personalidade, é apenas uma ferramenta auxiliadora nessa análise própria. Essas férias não são como aquelas costumeiras - intervalos entre períodos ou séries - mas sim, transição. Não somos mais colegiais, mas também não somos universitários propriamente ditos (excetuando-se a experiência encantadora da matrícula). Vivemos naquele espaço inóspito entre o deixar de ser e o ainda não ser.

Se formos mexer deliberadamente nas pastas que minha avó guarda e que contêm memórias da infância, vamos encontrar por lá um certo caderninho no qual eu escrevi, na alfabetização, palavras que eu aprendi a escrever e que se iniciam com as letras que compõem meu nome. Há um questionamento na ultima página desse caderno: O que você quer ser quando crescer?. A resposta que lá se encontra é "quero ser advogado porque acho uma profissão muito legal". Na ocasião, nao percebi o trocadilho que vejo agora (advogado - Direito - lei - legal ). Mesmo sem querer, o meu "prodígio infantil "acabou dando uma resposta quase evasiva para uma pergunta, até então, sem resposta, até mesmo para se eximir de uma assertiva mais comprometedora. O fato é que muitos anos depois essa pergunta voltou a ecoar na mente de João.

"Vou (ou vamos) fazer Direito?"... O D maísculo estava lá dominando a pergunta, impondo-se não só como uma direção acadêmica, mas como rumos para o futuro. De alguma forma, ele sempre esteve lá, simbolizando uma atração quase inexplicável pelo jurídico , uma vez que esteve sempre aliada à aversão a burocracia e formalidade demasiadas. Mas com o tempo e com as tranformações que o mesmo sempre traz, a pressão e os medos foram comprimindo o ponto de interrogação em um mero ponto ( final ou continuando? ainda não sabemos), contudo, a dúvida virou afirmação.

Entretanto, essa afirmação, fruto da dúvida e da compressão de um ponto de interrogação, gerou um outro questionamento. O imponente D maiúsculo parece ter sido transformado em um d minúsculo que carrega em si os anseios e os temores do que vem por aí...

"Vamos fazer direito?"
Agora a pergunta é assim. Nós nos questionamos se faremos da forma correta. É importante que se faça Direito direito. Acho que o mundo não precisa mais de burocratas acomodados ou corruptos, de uma jurisprudência restrita a apenas desejar estabilidade profissional relativamente bem remunerada em cargos públicos. É óbvio que não se pode e nem se deve ser um louco idealista, prender-se em um campo puramente utópico. Apesar de ter visto em um dos manuais que definem Direito que essa ciência é puramente teórica, esse saber deve ser feito para as pessoas, aquelas de verdade, que tem constantemente seus direitos 'alienados' por um sistema desigual e excludente. O Direito direito deve ir além da toga, do tribunal, do martelinho e das expressões em latim, alcançando todos os cidadãos, bem como a cada cidadão no que tange à sua individualidade.

Ainda não faço Direito, mas quando fizé-lo, mesmo que hoje eu ainda não saiba como, espero fazê-lo direito.

Dois dedos depois da margem

Há mais de dez anos, aprendi que nenhum parágrafo pode iniciar junto à margem. Desde então, eu e meus dedos fomos condicionados a provocar aquele espaço que, sem querer, passou a simbolizar início ou, simplesmente, retomada após uma pausa mais siginificativa, o início de um novo tópico, uma nova sequenciação. Assim, enquanto para alguns, dois dedos podem simbolizar aquela dose de cachaça do bar da esquina, aquele tanto de prosa, ou qualquer ideia banal ou promíscua que venha a cabeça; para mim os dois dedos sempre tem cara de início. Dois dedos sobre uma folha e uma contorção quase circense para que o lápis maque o ponto em que será iniciado o texto, sempre denotarão uma quebra brusca na gélida brancura da folha de papel. Dois dedos que ficam ali momenteamente fixos marcam, sobretudo, uma transformação.

Já que aqui que o blog se inicia, que fiquem dois dedos - ainda que virtuais - marcando esse ponto.