quinta-feira, 20 de maio de 2010

João, Eu e o Marciano.

Gostaria de pedir desculpas pelo longo tempo que passei sem postar =)





Certo dia me contaram a história de um tal marciano. Um cara meio esquisitão, alguns diziam. A verdade é que Márcio, o marciano, era mais um "João-aí", inusitado e excepcional em sua tão comum simplicidade. Quase um refém de sua apatia e normalidade. Márcio era normal, disso tinha, em si, muita convicção. Márcio era normal. Márcio era normal em Marte. Em Marte, assim como Márcio, todos eram marcianos. Mas um dia Márcio decidiu entrar em sua espaçoanave e descobrir o mundo além dos Martes e tudo aquilo que, na imensidão do universo, não era marciano. Márcio pousou sua nave em planeta qualquer, em um mundo-aí que se queria fazer conhecer.
Ao aterrissar, teve muita certeza de estar em mundo realmente diferente. Ali tudo que era seu parecia estranho, diferente. Suas antenas sempre tão seguras e bem direcionas agora giravam desnorteadas. Sua pele verde era ali tão inusitada, que era como se o Sol, aquele mesmo Sol de Marte, ali conspirasse silenciosamente com toda a natureza para imputar-lhe uma estranheza, que gritava aos olhos de todos os seres nativos, o verde de sua pele estigmatizava o marciano, como se traduzissem toda a essência de seu ser. Pensou que ali só poderia o verde ser uma cor abominável, porque não via motivos para a desconfiança e o julgamentos que sobre ele repousavam.
Os olhos grandes, negros e fusiformes do marciano, sempre tão fitados e unívocos, ali pareciam perdidos, desolados, com uma ânsia incontrolável de conhecer tudo, transparecendo, ao mesmo tempo, toda a angústia que revelava aquela incomum estranheza, por mais incongruente que pareça.
Tampouco o corpo baixo e rechonchudo daquele ser parecia aceitável naquele planeta. Ali havia muitos rostos e corpos estampados em cartazes e anúncios, espalhados pelas ruas avenidas, praças, travessas e em toda mídia que o enebriava. Contudo, nenhum deles se parecia com Márcio.
Caminhando mais um pouco, pôde perceber quão curioso era aquele povo e, por mais que se esforçasse, sua tão condicionada e sistemática mente marciana não conseguia compreender. Todavia, o estranhamento já se tornava maior que a exictação.
Então, Márcio correu. Correu sem rumo, sem destino. Correu porque queria encontrar naquele momento uma resposta. Correu porque a lentidão do caminhar era demasiado angustiante e a morosidade de seus passos revelavo-o ainda mais estranho, revelava um mundo que não só o era estranho, mas o tinha como estranho. Era isto: despertencimento. Márcio correu porque queria pertencer, não sabia a que, é verdade, mas queria. Queria participar. Queria, em seu mais ínfimo sentido, ser parte. Integrar-se a o que quer que seja e assim acalmar seu coração, ter de volta a sensação e a comodidade de ser normal que aquele mundo o tirara.
Correu afoitamente. Cansou. Caiu exausto sobre um gramado - verde como sua pele. Pensou que ali havia encontrado algo que se assemelhasse a ele. Ficou ali por um bom tempo. Quando se deu conta, percebeu que o mundo a sua volta mudara e que aquele gramado que o cercava, não mais era verde. O passar do tempo e das estações, que Márcio desconhecia, havia transformado aquele gramado tão verde em um conjunto de folhas secas - pardas -, como se até mesmo a natureza daquele lugar se empenhasse em torná-lo um ser-de-fora.
Viu, ao seu lado, cair um corpo. Custar-lhe-ia esforço demasiado observar se a vida ainda pulsava naquele organismo que, displicentemente, drebuçara-se sobre aquele gramado. Mas enfim ouviu um choro e sentiu tocar em sua escamosa pele marciana um gota de uma espécie de água salgada. Não podia ser chuva. A chuva não costuma ser salgada - disso Márcio, o marciano, já sabia. Depois de um tempo descobriu tratar-se de lágrimas.
Não quis mais mover-se, apenas dialogou com aquele ser-ali deitado na grama. Discutiram sobre o mundo, seu estranhamento e seu despertencimento. Ela falou-lhe que, naquele planeta, nada havia de parecido com ela. Seus olhos, seu corpo, seu rosto e sua cor não encontravam na natureza coisa alguma a que fossem idênticos. Sentia como se não possuísse identidade. Nem mesmo a grama daquele lugar parecia receber-lhe como igual, como se aquele gramado fizesse questão de manter um fosso entre os seres e, pior ainda, empenhasse todo a sua existência em fazer dela um ser-de-fora.
Imaginou que, como ele, ela devia ser também uma marciana perdida naquele mundo estranho.
Criou coragem, saiu de sua posição inerte e o marciano decidiu enfim encarar o rosto de Ana Márcia - sim, esse era seu nome. Ana Márcia, como o perdão do trocadilho dos nomes, era com certeza marciana, pensava Márcio. Essa covicção de aceitação evidente impulsionou ainda mais o marciano a encará-la e, enfim, vê-la.
Que decepção! Ana Márcia não era marciana. Havia nascido ali naquele planeta mesmo. Entretanto, seus olhos, seu corpo, sua cor e toda a sua aparência de fato não se assemelhavam a nada que aquele mundo estampava em seus muitos cartazes e propagandas. Passado o momento de excitação, o marciano compreendeu que já sabia tudo de mais importante sobre Ana Márcia. Descobriu nela sua identidade justamente por com ela não identificar-se e por, juntos, não se identificarem com nada. Perceberam que os dois poderiam pertencer, ao mesmo, tempo a seu despertencimento.
Então Márcio, o marciano, e Ana Márcia continuaram deitados sobre a grama, olhando o céu estrelado que sobre eles brilhava. Já não mais importava se estavam em Marte, em Vênus, na Terra ou em qualquer lugar que fosse. Por um momento sentiram que o nada que neles mesmos imperava exatamente o tudo que os circundava. Sob o céu estrelado eles finalmente pertenceram... Um ao outro? Não importa...
Não importa porque essa é uma história estranha sobre seres estranhos. Alienígenas a tudo aquilo que alcança nossa mente tola e polarizada entre razão e emoção. Uma história que só eles entendem. Nós apenas estranhamos. Somos apenas estranhos.





4 comentários:

  1. João, que belo texto; belo por ser simples e verdadeiro, quanta verdade, quanta angústia.
    Acho que existem mais Márcios e Ana Márcias do que você imagina.
    Talvez o Márcio só esteja precisando de um motivo para que deixe de se preocupar se pertence ou não ao mundo ao seu redor; quem disse que temos que pertencer a qualquer coisa?

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  2. Ainda estou anestesiado. haha
    Texto mui belo. Existiu uma idêntificação grande comigo.

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  3. que possamos todos nos arriscar a saírmos de nossos Martes e enfrentarmos esses estranhos terráqueos de peito aberto ;D
    obrigado pelo crescimento pessoal que veio com o teu texto cara ;D

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  4. Oie será que voce poderia me ajudar!?
    qual é o nome do menino loirinho que estuda na sua sala? um que dirige um honda fit!?
    por favor me ajude!
    volta aqui para saber a respota
    ;]
    mande o nome para o email: donalorca123@hotmail.com
    aguardo contato

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