quarta-feira, 30 de junho de 2010

Poesia positiva

A caneta na mão não é assim tão útil.


Se o verso em si já não é naturalista,


Resta-nos a letra imperfeita da rima fútil.


O poema é mesmo utilitarista.





Se o verso é frio, empacotado, real


E a rima é seca, imprópria e exaustiva,


A poesia só pode parecer desleal


E arte do poeta, demasiado improdutiva





E se o poeta é escultor do poema preciso,


Seu trabalho só pode ser mesmo exibicionista.


Se todo poeta é um tanto Narciso,


A estrofe fica assim mesmo: fetichista.





A métrica deve ser, portanto, um ponto certo.


O verso é heroico, mas a forma é cansativa


Porque, de toda ideia, a letra sai de perto


E a poesia fica assim um tanto abusiva





E se o homem conquista o relativo


Seduzido pela melodia idealista


Sua arte faz-se então impertativo


Sente-se um joguete. ritmista.





E se cansa-se do esforço de ser orgânico,


Definha, então, numa missão abortiva


Entrega sua alma ao mundo mecânico


E faz poesia assim: retrospectiva





O poeta não quer mesmo ser simpático


Nem mesmo quer verso puro ou perfeição contemplativa.


Mas o verso teima em ser, por si, enfático


E todo esforço sucumbe em poesia positiva





quinta-feira, 24 de junho de 2010

Nenhum João é poeta.

Outrora.

O compasso dos ponteiros não existe.
Inventa e esconde. Esquece a hora
E nos tics do caminho do tempo, iniste
Em se fazer de mil minutos depois de agora
E se uma volta já nao basta, persiste
Muitos de nós hão de ir sem demora
E o ponteiro cansado desiste...
Pausa. Estamos do lado de fora
O tempo guarda em si um quê de triste
Mas a tristeza há de ir, de nós, embora.
Então o tempo zumbi resiste
Somos loucos girando sem hora
Somos os sons do relógio que ouviste
A curva que engana por hora
A anacronia do tempo em riste
Seduzidos por teus segundos, senhora
Porque cada instante é um chiste
E já não somos o que fomos outrora.

sábado, 12 de junho de 2010

O amor e o chic.

Eu não sou a pessoa mais apropriada para falar de amor ou dia dos namorados. Contudo, talvez o tema valha uma reflexão. O amor é aquele tipo de assunto sobre o qual há muito que se dizer. Ao mesmo tempo, sempre que se tenta falar dele, parecem faltar as palavras. Também não é novidade alguma que o amor é um sentir-fazer altamente contraditório. Na verdade, a lógica e a coerência do amor se apresentam como intangíveis à nossa razão. Talvez por isso esse texto careça de sentido, fique como um tiro no escuro, talvez nada fale sobre o muito que há que se dizer. Talvez também não haja a menor graça em fazer uma assepsia no amor, afinal, o amor não é um cadáver, um corpo frio e inerte. O amor é vivo, dinâmico e sagaz, parece fugir sempre que se tenta explicá-lo. O que é o ser do amor? Talvez o amor nem mesmo tenha um ser, pode ser apenas um sonho, uma ilusão forçosa, uma necessidade que nós mesmos criamos e dela passamos a depender. Mas o amor pode ser também um ente quase transcedente, que domina, escraviza, mas também enobrece, enaltece, rejuvenesce, enlouquece, estremece. O amor parece, mesmo que não pareça em si amor, o amor aparece. Então por que falar de algo que ou se inventa ou é tão latente que grita aos olhos e torce os sentidos? Talvez sobre o amor não se deva, de fato, falar. Talvez o amor não seja para ser escrito em prosa, pode ser que ele se delicie apenas com as curvas meticulosas de um poema. Talvez o amor não seja para os parágrafos e a frieza de um texto justificado. Talvez o amor goste mesmo de rimas melosas, sentimentalescas, de bilhetes coloridos, de cartões em formas de coração, de depoimentos no orkut, de mensagens pessoais em messenger, de ligações para ouvir a voz.
É por isso que talvez, quando perguntado sobre o amor, alguém diga que é chic - prefiro escrever chic a chique - demais para amar. Porque o amor é mesmo assim um tanto quanto brega. O amor se presta a apelidos melosos, a falas como as que são dirigidas a crianças e cachorros. O amor gosta de se espalhar nas várias expressões das vidas dos amantes. O amor é intruso, penetra. O amor não é convidado, chega assim sem avisa, nem marcar hora, nem telefonar antes, pegando seu anfitrião desprevinido. Quão deselegante é o amor.
É possível que os muitos chics não amem, porque é típico do amor fazer romântico um prato ou um programa qualquer. O amor gosta de se manifestar a esmo. Ele não escolhe entre palácios e favelas, entre foie gras e buchada, entre ações ou salários mínimos. O amor é assim mesmo muito dado, presta-se a qualquer lugar ou ocasião. Hão de dizer que amor é daquele tipo que se mistura, fácil demais.
O amor é desajeitado, impreciso, incoerente. O amor é gramaticalmente complexo. Ele facilita derivações impróprias, confunde os pronomes de tratamento, troca os adjetivos, abusa dos advérbios e despreza quaisquer regras de colocação pronominal. O amor decorre sempre em fuga total ou parcial do tema sempre sob a justifica de ser e estar em tudo. O amor não segue roteiros, muito menos se preocupa com coerência ou coesão. O amor sempre parece irritantemente não saber escrever a própria história. Não há de ser chic alguém tão prolixo, desajeitado e incapaz de controlar suas próprias ideias.
O amor também se presta a espalhafatosas gargalhadas, a ligações na madrugada, a ter na carteira fotos da namorada e para elas ficar olhando incessantemente. O amor também é hiperbólico, descontrolado, adora superlativos e exageros que ultrapassam a simples ênfase ou expressividade. O amor não é dos chics, não é comedido.
Mas pensando bem, talvez chic mesmo seja quem ame. Quem sabe ser chic não seja mesmo aproveitar a vida sem regras, métodos engessados, formalidades excessivas. Talvez chic mesmo seja gritar quando o sentimento vai à garganta e o coração parece explodir. Pode ser que chic mesmo seja quem se arrepie ao ver a pessoa amada, que fique com as bochechas vermelhas, a pele quente e a mente a fantasiar. É possível que ser chic esteja em saber compreender a singeleza de dividir o resto de refrigerante na lata. Chic pode ser ser criativo o suficiente pra inventar apelidos esdrúxulos e ousado o suficiente pra atribuir diminutivos a quase tudo, mesmo quando impróprios. É capaz de o chic estar mesmo em saber ser feliz sem muita complicação, em deixa fluir, rolar em relaxar e aproveitar sempre com respeito e boa vontade para compreender e acolher o outro em suas imperfeições e, assim, construir algo positivo.
Na verdade, amor e "ser chic" são duas coisas sobre as quais não sei falar. Acho melhor que você desconsidere mesmo tudo isso, feche essa janela e vá viver.